terça-feira, 12 de outubro de 2010

A vergonha de ser professor

Ser professor…
“tudo vale a pena se a alma não é pequena” (Fernando Pessoa)

Tem muito a se falar sobre o professor. São seres admirados de uma profissão, para a qual, não basta ser profissional, têm que ser multiprofissional, compreensivo, corajoso, amorosos, constante na busca do saber aprender e socializar o conhecimento.
Inicialmente pensamos em Paulo Freire. Depois em Jean Piaget, Vygotsky, Rubem Alves… Pensamos em especialidades da educação como: educação básica; especial, superior, ambiental, profissional e tecnológica, etc. Finalmente - na nossa opinião -, definimos: o que é ser professor? Vejamos: Ser professor é ser: mágico, artista, ouvidor, analisador, parabolista, metaforista, educador, orientador… Ser professor é ser: dinâmico/resiliente; enérgico/complacente; sábio/bobo; sério/engraçado; obstinado/paciente; objetivo/subjetivo…Ufa! Ser professor é ser muito, e ser professor é deslumbrar nas brincadeiras de criança a pedagogia oculta.
Ser professor é transformar informação em formação, e mais, cuidar para que essa formação não perca a forma ao longo das “tempestades” que a vida oferece, em outras palavras, é ser um “construtor” de possibilidades.
Ser professor é tornar o indivíduo do hoje, no ser coletivo, crítico de decisões, humanizador de amanhã. Ser professor é ser um operário que domina a arte de transformar AREIA MOVEDIÇA EM CONCRETO SÓLIDO, E DEPOIS ADICIONAR ELEMENTOS QUE IMPEÇAM QUE ESTA SOLIDEZ PERCA A HUMANIDADE.
Ser professor é saber que, por vezes, terá de lidar com a incompreensão dos pais e do País, e não deixar se abater com a ausência de estímulos, conseguindo assim, sair fortalecido das injustiças que a profissão sofre.
Ser professor é entender que ao final do mês vai faltar salário e sobrar obrigações, mesmo assim, o desalento não pode prosperar, pois, expectativa, conhecimento, dinamismo, forma o tripé que dá sustentação à profissão de professor. E não é só isso. Existe o “clichê” de que a educação é a única saída para o desenvolvimento de um povo – e, nós acreditamos nisto -, agora imaginem se o professor desistir. Nesse momento é que entre a parte da vergonha de ser professor: porque muitos alunos podem este ano encontrar-nos na rua e dizerem: ”Lá vai o palerma que se fartou de me dizer para me portar bem, que me dizia que podia reprovar por faltas e, afinal, não me aconteceu nada disso. Grande estúpido!”
É muito fácil falar de alunos problemáticos a partir dos gabinetes mas a distância que vai deles até às salas de aula é abissal. E é-o porque quando os responsáveis aparecem numa escola levam atrás de si (ou à sua frente, tanto faz) um magote de televisões e de jornais que se atropelam uns aos outros. Deviam era aparecer nas escolas sem avisar, sem jornalistas, trazer o seu carro particular e não terem lugar para estacionar como acontece, às vezes, em nossas escolas.
Os nossos alunos entram na sala de aula aos berros e aos encontrões, trazem vestidos camisas interiores cavadas, cheiram a suor e a outras coisas, estão em estado bruto, estão tal e qual a Natureza os fez, cresceram como silvícolas que nunca viram uma tesoura de poda. Apesar de terem 14/16 anos parece que nunca conviveram com gente civilizada.
Não fazem distinção entre o recreio e o interior da sala de aula onde entram de boné na cabeça, headphones nos ouvidos continuando as conversas que traziam do recreio, entram na sala, sentam-se na cadeira, abrem as pernas, deixam-se escorregar pela cadeira abaixo e não trazem nem esferográfica nem uma folha de papel onde possam escrever seja o que for. Quando lhes dizemos para se sentarem direito, para se desencostarem da parede, para não se virarem para trás olham-nos de soslaio como a dizer “Olha este!” e passados alguns segundos estão com as mesmas atitudes.
Nós não queremos alunos perfeitos. Queremos apenas alunos !!! Alunos que ao serem repreendidos não contradigam o que nós dissemos e que ao serem novamente chamados à razão não voltem a responder querendo ter a última palavra desafiando a nossa autoridade, não nos respeitando nem como pessoa mais velha nem como professor. Se nunca tivemos de aturar faltas de educação dos nossos filhos, por que é que hemos-de aturar faltas de educação dos filhos dos outros? As esferas municipal, estadual, federal e principalmente privada nos pagam para ensinar os alunos, para os educar e ajudar a crescerem; não nos pagam para os aturarem! Quem vai conseguir dar aulas a alunos destes até aos 65 anos de idade?
Atualmente só vai ser professor quem não está no seu juízo perfeito mas se o estiver, em cinco anos (ou cinco meses bastarão?…) os alunos se encarregarão de lhes arruinar completamente a sanidade mental. Queremos alunos que não falem todos ao mesmo tempo sobre coisas que não têm nada que ver com as aulas e quando pedimos a um que se cale ele não nos responda: “Por que? Não vê os outros também falar?” Queremos alunos que não façam comentários despropositados de modo a que os outros se riam e respondam ao que eles disseram ateando o rastilho da balbúrdia em que ninguém se entende.
Queremos alunos que não nos obriguem a repetir em todas as aulas “Entrem, sentem-se e calem-se!” Queremos alunos que não usem artes de ventríloquo para assobiar, cantar, grunhir, mugir, roncar e emitir outros sons. É claro que se nós não quisêssemos dar mais aulas bastaria perguntar quem tinha sido e não sairia mais dali pois ninguém assumiria a responsabilidade. Queremos alunos que não desconheçam a existência de expressões como “obrigado”, “por favor” e “desculpe” e que as usem sempre que o seu emprego se justifique.
Queremos alunos que ao serem chamados a participar na aula não nos olhem com enfado dizendo interiormente “Mas o que é que este quer agora?” e demorem uma eternidade a disponibilizar-se para a tarefa como se estivessem fazendo um grande favor. Que fique bem claro que os alunos não nos fazem favor nenhum em estarem na sala de aula e a se portarem bem. Queremos alunos que não estejam constantemente recebendo e enviando mensagens por celular e a se recusarem a entregá-lo quando lhes pedimos para terminar esse contato com o exterior pois esse aluno “não está na sala”, está com a cabeça em outros mundos.
Somos trabalhadores como outros quaisquer e como tal exigimos condições de trabalho! Ora, como é que podemos construir uma frase coerente, como é que podemos escolher as palavras certas para sermos claros e convincentes se vemos um aluno a balançar-se na cadeira, outro virado para trás rindo, outro a mexer no celular e outro com a cabeça recostada na mesa querendo dormir? Quando as aulas são apoiadas em material extra gostaríamos que os alunos, ao sair da sala, não as amarrotassem e jogassem no cesto do lixo mesmo à minha frente ou não as deixassem “esquecidas” em cima da mesa.
Como é possível, com alunos destes, criar a empatia necessária para uma aula bem sucedida? É por estas e por outras que nós NÃO ADMITIMOS A NINGUÉM, RIGOROSAMENTE A NINGUÉM, que ouse pensar, insinuar ou dizer que se os nossos alunos não aprendem a culpa é nossa!!! Há alunos que têm o sublime descaramento de dizer que não andam na escola para estudar mas para “tirar o FUNDAMENTAL OU O MÉDIO”. Outros há que, simplesmente, não sabem o que fazem na escola…E, por último, existem os que se passeiam na escola só para boicotar as aulas e para infernizar a vida dos professores. Quem é que consegue ensinar seja o que for a alunos destes? E por que é que nós temos de os aturar numa sala de aula durante períodos de cem e cincoenta minutos por semana durante um ano letivo? A troco de quê? Da gratidão da sociedade e do reconhecimento e do apreço do Ministério, das secretárias estadual e municipal e da sociedade privada,  não é, certeza absoluta!
Nós desafiamos seja quem for do Ministério da Educação (ou de outra área da sociedade) a enfrentar ( o verbo é mesmo esse, “enfrentar”, já que de uma luta se trata…), durante uma semana apenas, uma turma destas sozinho, sem jornalistas nem guarda-costas, e cumprir um horário de professor tentando ensinar um assunto qualquer de uma unidade didática do programa escolar. Queremos saber se ao fim dessa semana esse ilustre voluntário ainda estará com vontade de continuar. E não nos digam que isto é demagogia porque demagogia é FALAR DAS COISAS SEM AS CONHECER e a realidade escolar está numa sala de aula com alunos de carne, osso e odores e não num gabinete onde esses alunos são números num mapa de estatística e nós sabemos perfeitamente que o que o Governo ou a esfera privada quer são números para esse mapa…É preciso que a sociedade diga aos alunos que a aprendizagem exige esforço, que aprender custa, que aprender “dói”! É preciso dizer aos alunos que não basta andar na escola de celular na mão para memorizar conhecimentos, aprender técnicas e adotar posturas e comportamentos socialmente corretos.
Se vocês acham que nós somos pessimistas e que estamos pedendo a sensibilidade por estar em contato diário com este tipo de jovens pergunte a opinião de outros professores, indague junto das escolas, mande alguém saber. Pois bem! Podemos esperar que um professor faça diferente para fazer a diferença; Podemos esperar que um professor aprenda mais para ensinar mais. Podemos esperar que um professor seja intermediador da transformação através da educação. O que não podemos esquecer é que, apesar de fazer milagres com sua didática, o professor não é Deus. Permita-me mais uma vez discordar da sociedade mas dizer que os professores têm de ser dignificados neste 15 de outubro, é pouco, muito pouco mesmo…
Jadson (professor há vinte anos)

domingo, 26 de setembro de 2010

O bêbado e o marionete

O bêbado e o marionete


São dois personagens recorrentes na literatura, principalmente na área do humor. Quantas paidas sobre bêbados e e histórias de mariontes não já ouvimos? Com certeza várias. Mas ao estrelato poucos desses dois personagens alcançaram. Lembro especialmente de dois: Quincas Berro D’água (romanceado por Jorge Amado), o bêbado e Pinóquio ( de Carlo Collodi, escritor italiano), o marionete.





Mas existe um personagem da vida real que consegue ser os dois ao mesmo tempo (bêbado e marionete): o professor. Ele que é agente de uma das mais antigas profissões. Foi participante ativo em muitos dos momentos de maior mudança da história mundial, às vezes como autor intelectual, outras como autor moral, hoje faz o papel do bêbado e do marionete de uma forma tão mais esplendorosa do que os personagens da literatura.
No papel de bêbado é motivo de piada (todas sem graça). Atrapalahdo, não fala coisa com coisa, ar de bonachõ (ou devo dizer bobalhão) corre atrás do bloco de sujo, fica pedindo trocadinho para a pinga “derradeira”, e chega algumas vezes atrasado ao trabalho no dia seguinte (ressaca), não acompanha discussão em prol do grupo (pois de grupo ele só sabe o de pagode, samba, rock, axé) e é sempre a favor de uma paralisação de suas atividades profissionais, assim vai ter tempo de fazer outras coisas que não fez antes. Ah! A luta, fica para o dia seguinte…se ele lembrar qual foi o motivo da paralisação.
No papel de marionete é insuperável. Diferente de Pinóquio que queria ser humano, o professor humano que ser marionete. É tão mais fácil ser manipulado. Pensar para quê? Ensinar sim gestos e palavras convencionadas, conceitos técnicos, números, fórmulas. Ensinar a pensar não dá. Ele mesmo não pensa com a própria cabeça. Foge dos grandes embates, reclama de longe para não ser visto ou ouvido, engrossa a fila dos grevistas por melhores salários até a polícia chegar e acabar com a baderna, porque professor não faz movimento organizado, como as outras categorias, e sim baderna. Briga por um aumento expressivo, mas aceita um tapinha nas costas e uma promessa de que as coisas vão melhorar. Tem direito a um piso nacional, mas que ninguém cumpre e, quando cumprem, querem que ele trabalhe 40 horas semanais. É o marionete que aceita tudo, reclama protesto tímido e vai aplaudir o Diretor ou o Coordenador ou ainda o Secretário de Educação que propõe medidas sérias para moralizar a educação.
No final é a classe que não se dá ao respeito. É o serviço social que só incomoda porque os filhos da sociedade não têm para onde ir, quando há greve. Nesse momento os pais chiam e, é só por isso, não por solidariedade à classe ou à sua luta. Afinal quem respeita bêbado ou boneco que fala? É!, ninguém! No máximo fazem troça, piada ou ficam indiferentes. É assim que os professores são tratados como motivo de troça, piada ou com indiferença. “Ah! É só o professor fazendo zoada…”

Jadson (o bêbado)